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Guiné-Bissau e mudanças climáticas

 

Quem tiver a possibilidade de percorrer às zonas de Contuboel, Sonaco, Paunca e Pirada, terá, sem dúvida, que constatar um estado avançado da seca que, cada vez mais, bate sobre a Guiné-Bissau. A situação está diretamente ligada ao processo natural da desertificação e a má atuação do próprio homem sobre a natureza.

Por Bacar Baldé

É que a Guiné-Bissau está situada a menos de 300 quilómetros do deserto do Sara (um dos maiores e mais quentes do mundo, que ocupa toda a parte Norte da África, de Nascente a Poente) e que avança a uma velocidade média de dois quilómetros por ano, em direção à zona Sul do continente.

A Guiné-Bissau encontra-se na chamada zona-tampão, que divide as partes desértica e tropical. O país começou a registar os primeiros sinais de desertificação na década de 70, depois da seca severa que assolou a região saheliana (5.000.000 de Km²), em 1972-73.

Em relação à ação humana, depois dessa seca, nos inícios dos anos 80, o Senegal decidiu unilateralmente empreender a construção de duas barragens sobre o rio transfronteiriço, o Kayanga. Trata-se de Anambé e Niandouba, localizadas na região de Tambakounda, há dezenas de quilómetros ao nordeste de Pirada.

Esse ordenamento do vale de Anambé teve como objetivo diminuir a dependência da agricultura em relação aos riscos climáticos. A Guiné-Bissau, por sua vez, como país vizinho que compartilha o rio Kayanga com o Senegal, não realizou nenhum ordenamento no seu território e nem contrariou a decisão das autoridades senegalesas.

Acontece que, depois dessa construção, a escassez de água não fez tardar nas regiões de Gabu e Bafatá, concretamente nos sectores de Pirada, Sonaco e Contuboel. A quantidade da água reduziu-se em toda a bacia hidrográfica do Kayanga/Gêba e como resultado toda a gente queixa-se da falta de água. As autoridades nacionais deviam reagir em tempo oportuno, tendo em conta que está em causa a sobrevivência das gerações vindouras, o que não foi o caso.

Com a construção das duas barragens, Senegal fez subir o nível de água no seu território e o rio Kayanga, que nasce na Guiné-Conacry, passando pela região de Tambakounda, continuou a deslizar-se para a Guiné-Bissau, já agora, através de uma pequena abertura, ficando, praticamente sem água na época seca. A quantidade da água que chega ao território nacional ficou cada vez mais reduzida. Num breve encontro tido com os populares dessa aldeia, Djae Baldé, chefe da tabanca, confirmou que, realmente, a construção da barragem na zona da fronteira do Senegal contribuiu grandemente para a diminuição da água no rio Kayanga/Gêba e com efeito algumas espécies aquáticas estão a desaparecer. “Dantes, esse rio tinha muita água e muito peixe. Desde que os senegaleses construíram a barragem, o rio passou a secar, nalguns troços, durante a época seca. A sua corrente ficou quase estagnada e a lama tomou conta do seu leito. Sentimos muito mal com essa situação e não temos como fazer”, lamentou com sentimento de revolta.

Este velho, na idade dos 60, explicou que o pior de tudo é que, além da questão da barragem, as chuvas reduziram-se grandemente. “Atualmente só chove 3-4 meses, o que é insuficiente. Dantes chovia 6 meses durante o ano e lavramos a terra conforme quisermos. Agora, com a redução das chuvas, fomos obrigados a mudar o nosso sistema de cultivo e adotamos sementes de ciclo curto, o que alterou até a nossa dieta alimentar. Conseguimos ter rendimento, porque lavramos com charruas. Quem não tem charrua e animais (boi ou burro ou cavalo) praticamente perde a época chuvosa, porque não consegue aproveitar as primeiras chuvas”, sintetizou perante testemunhas.

Djae Baldé lançou um apelo ao Estado no sentido de este intervir neste caso em concreto da barragem de Anambé, porque a população está a sofrer bastante e mais tarde se não houver solução, isto poderá transformar-se num desastre ecológico. A mata perderá progressivamente as árvores, cada vez surgem mais clareiras e por conseguinte o deserto do Sahará está a avançar continuadamente.

No mesmo diapasão, também nas zonas de Sonaco a situação da diminuição da água é igualmente bem sentida, sobretudo nos meses de Abril, Maio e Junho. O rio Kayanga está seco nalguns troços (como se vê na foto) e isto tem reflexos no funcionamento do projecto orizícola de Carantaba, localizado há quatro quilómetros da sede sectorial.

Mamadu Turé, pescador e natural de Sonaco, disse que a secura do rio está a contribuir no desaparecimento de muitas espécies. Além de mais, os pescadores malianos construíram uma arte tradicional de pesca, através da qual conseguem apanhar muito peixe-miúdo, inclusive o peixe-boi, uma espécie protegida na Guiné-Bissau. Neste sentido, pergunta-se: onde estão as organizações ecologistas que trabalham no país? Outra preocupação do Mamadu Turé tem a ver com o futuro dos hipopótamos que abundam nesta zona. Nos últimos anos, segundo ele, estes animais têm deparado enormes dificuldades de sobrevivência e sentem-se inseguros. Durante os meses de Maio e Junho saem mais vezes fora da água, danificando as culturas no projeto Carantaba.

Nessa deslocação, constatamos que a situação da diminuição da água não só diz respeito ao rio Kayanga, mas também aos rios Bidigor (que passa a escassos quilómetros ao Sul de Pirada juntando-se ao Kayanga na povoação de Sintchã Mamadu Sanussi) e Campossa (sectores de Gabu e Bafatá), respectivamente, que também já começaram a sedimentar em ritmo acelerado. Durante a época chuvosa, a água que corre através dos seus afluentes arrasta consigo muita areia e parte dessa areia vai para os rios, provocando o seu assoreamento. Na época seca, quando os rios perderem o seu caudal, a sedimentação faz nascer plantas e ervas, o que impulsiona a morte lenta desses rios e, consequentemente, a baixa do lençol freático.

Do estudo realizado, confirmamos que os habitantes da vila de Pirada conseguem água para beber em poços tradicionais de balde que medem uma profundidade de 35 metros. Noutras tabancas, mais ao Sul, a profundidade dos poços é de 22 metros. Mas, depois de Pirada, precisamente nas zonas de Velingara (na República do Senegal), os poços chegam a uma profundidade de 50-60 metros. Quer dizer, quanto mais se aproxima do deserto na parte norte, o lençol freático fica mais afastado da superfície terrestre, existem menos árvores e a temperatura é cada vez mais elevada.

A redução gradual da quantidade das chuvas, nesta zona, é o factor principal de aceleração do processo da desertificação e é motivado, em primeiro lugar, pelas alterações climáticas em voga, favorecidas por factores de ordem natural e pelas queimadas descontroladas, postas frequentemente pelo Homem, o gerente da Natureza.

A construção da barragem na linha da fronteira tem a ver com a falta de observância das normas internacionais e até de certa forma é uma violação do princípio da unidade planetária, que fundamenta uma conceção clara sobre a biosfera como sistema universal: “Entre os Estados pode haver diferença na esfera política e económica, mas todos os povos têm um interesse ecológico comum, o que exige a unificação e a coordenação de todas as forças”.

A verdade é que se dantes o homem sempre lutou contra o frio, hoje ele está envolvido na luta contra a temperatura, e para o seu triunfo ele tem de identificar as zonas de emergência e definir as prioridades ecológicas.

 

 

BIOGRAFIA DE BACAR BALDÉ

Bacar Baldephoto

Nascido a 4 de fevereiro de 1967. Participou na realização do filme “Mortu Nega” de longa-metragem do realizador guineense, Flora Gomes, foi militante da Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC) para em 1985 jurar a bandeira e transitar para as fileiras do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) – o partido libertador da Guiné-Bissau.. Fez o curso de superação político-ideológica na escola nacional do PAIGC em 1987 e foi jornalista-estagiário no jornal Nô Pintcha de 1988 a 1990. Contemplado com bolsa de UNESCO, fez os estudos universitários na Universidade Estatal de Voronej, na Federação da Rússia (ex-URSS), tendo em 1996 terminado o curso superior de jornalismo com a nota máximo e obtido o nível de “Mestre em Artes de Jornalismo”. Regressado ao país depois dos estudos universitários, Bacar Baldé foi de novo colocado no jornal Nô Pintcha tendo seguido a carreira jornalística e evoluído progressivamente. Desempenhou as funções de chefe de redação, diretor de informação e a partir de agosto de 2012 exerce o cargo de diretor-geral do jornal Nô Pintcha.

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